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quarta-feira, 18 de março de 2009

Museu do Louvre - Paris


EFEITOS DA REFORMA ORTOGRÁFICA

Reforma Ortográfica é um acordo internacional feito pelos países que falam a língua portuguesa, objetivando unificar a forma da escrita nestes países. São estes os países: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Brasil e Portugal.

Há muita controvérsia andando por aí e muita gente falando bobagem. Há até aqueles que dizem que este Acordo veio mexer com ao adjetivo gentílico acreano ou acriano, fato não verdadeiro. A reforma não mexe com a estrutura da língua, apenas com os aspectos ortográficos ligados à acentuação, visando unificar a língua entre os países da lusofonia. O mais que avança é retirar as consoantes mudas das palavras em Portugal, tais como acto, facto etc. Não trata de aspectos da morfologia da língua.

Nesse contexto, é prudente esclarecer que a Reforma Ortográfica veio para unificar a forma da escrita no mundo lusófono. É um acordo que disciplina, tão somente, a uniformização das duas ortografias atualmente em vigor (a brasileira e a portuguesa), isto é, do modo de escrever em português. Não prevê a uniformização do idioma, pois nenhuma ortografia de nenhuma língua do mundo dá conta do fenômeno da variação, que é da própria natureza das línguas humanas.

Então, é prudente ter cuidado com aquilo que se diz ou se escreve. É cansativo ouvir balelas acerca de acreano e acriano, atribuindo a mudança a fatores da REFORMA. Estão falando algo que não sabem ou que ouviram ou compreenderam muito mal. Uma língua se forma pela tradição, pelos costumes, aspectos culturais de cada lugar. Não é um emaranhado ao deus dará, onde cada um mete a “colher”.

Recomenda-se a leitura de fabulosa obra de Mattoso Câmara, o maior lingüista e filólogo de língua portuguesa de todos os tempos. No livro História e Estrutura da Língua Portuguesa (obra que os inventores devem ler), ali se colhe sábias lições. Uma delas deixo aqui:

"Cada homem que fala, rege-se por um sistema de sons, de fonemas e de significação e ordenação de formas, que ele hauriu da sociedade em que vive e que nesta se transmite através de gerações como uma tradição de cultura, à maneira dos processos de plantar ou de fabricar vasos. Vista desse ângulo, a língua surge-nos com o caráter do que se chama em etnologia uma arte coletiva. O seu estudo pode colocar-se ao lado do das grandes instituições sociais, e a lingüística assume a aparência de uma seção da etnologia." (Mattoso Câmara, 1944, p. 29-30).

Então, esse Acordo não é uma banalidade, tem real importância, pois o que interessa não é a reforma ortográfica em si, mas o papel político que o Brasil tem a desempenhar na comunidade lusófona. Portugal, infinitamente menos importante que o Brasil, no cenário político e econômico mundial, se recusa a ver que quem lidera a lusofonia, hoje, somos nós: só na metrópole de São Paulo há mais falantes de português do que em toda a Europa. Defender o acordo de uniformização ortográfica é defender essa liderança.

Compreenda-se, enfim, que a reforma da ortografia tem o objetivo de unificar o registro escrito nos países que falam a língua portuguesa. A Reforma não mexe com a estrutura da língua. E a estrutura é como a alma de uma língua, algo intocável, que deve ser preservada para a perpetuação do idioma. A ortografia, essa sim, sofre alterações que têm um tempo de transição entre o uso da forma antiga e a nova. Assim, durante um período de 2009 até 31 de dezembro de 2012, ou seja, quatro anos, o país passará por uma transição, no qual ficam valendo tanto a ortografia atual quanto as novas regras. Os concursos e vestibulares deverão aceitar as duas formas de escrita, a atual e a nova.

Quanto a livros escolares, as mudanças serão obrigatórias a partir de 2010. Em 2009, podem circular livros tanto na atual quanto na nova ortografia. No entanto, devem os professores ensinar aos alunos a Nova Ortografia. O período de transição existe, exatamente, para esse novo aprendizado que não dificulta e sim facilita as regras de acentuação das palavras. O Acordo não muda palavras, tira acentos, hífens, inclui novas letras ao alfabeto (w, k, y).

Finaliza-se o texto dizendo que a LÍNGUA, em face do resto da cultura, é o resultado dessa cultura, ou sua súmula, é o meio para ela operar, é a condição para ela subsistir. E mais ainda: só existe funcionalmente para tanto: englobar a cultura, comunicá-la e transmiti-la. Se o discurso da Lingüística moderna se iniciou e se firmou entre nós com o discurso estruturalista de Mattoso Câmara, é de se esperar que os nossos estudiosos da linguagem tenham sempre a consciência de que os vários discursos que lhe sucederam – o do gerativismo, o da sociolingüística, o da pragmática, o da lingüística do texto – se complementam na verdade, e não se excluem direcionados que são a objetos ou interesses distintos que o amplo campo da linguagem comporta.

DICAS DE GRAMÁTICA
Como usar o hífen, professora?
A regra geral será a utilização do hífen na maior parte das vezes. O acordo prevê, basicamente, alguns casos em que o sinal poderá ser suprimido. A maior parte deles quando as palavras são compostas por prefixos (como "mini", "micro", "co" e "extra").
Não se usará mais:
· Quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com s ou r, devem estas consoantes ser duplicadas, como em "antirreligioso", "antissemita", "contrarregra", "infrassom". Exceção: será mantido o hífen quando os prefixos terminam com r -ou seja, "hiper-", "inter-" e "super-"- como em "hiper-requintado", "inter-resistente" e "super-revista".
· Quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com uma vogal diferente. O hífen some. Exemplos: "extraescolar", "aeroespacial", "autoestrada", "autoajuda", "infraestrutura".
· Quando o prefixo terminando com "R" ou "S" e segundo elemento começando com a mesma letra. Mantenha o hífen. Exemplos: "super-resistência", "inter-relacionamentos".

Acreano ou Acriano?

Tem-se observado, nos primeiros meses deste 2009, o uso surpreendente do adjetivo gentílico acriano ao invés de acreano. Este último tem o uso consagrado em meio à população regional. Indaga-se, então, quem resolveu, de última hora, mudar a forma de grafar o adjetivo? A Academia Acreana de Letras, Lei, Decreto Governamental, vontade popular?

Recomenda o bom senso e a política do idioma observar alguns pontos fundamentais. Uma língua não muda de uma hora para outra. As mudanças se dão de forma gradativa, sem que os falantes percebam. Habitualmente, essas mudanças ocorrem por forças de fatores internos ou externos, tais como influência de outro idioma, avanços tecnológicos que alteram ou modificam os hábitos de vida das pessoas, índice de escolaridade, fatores culturais etc. E, quando a vida muda, a tendência da língua é acompanhar as mudanças gradativas que se dão no seio de uma comunidade. Mas nada acontece da noite para o dia, exceto os casos expressos em Lei.


Aqui no Brasil, por Decreto, já se proibiu o uso da língua tupi. E aquelas pessoas apanhadas na rua, falando o idioma nativo, deviam ser punidas severamente. E, agora, também será assim? Quem for flagrado falando acreano ou escrevendo acreano vai ser preso? E quem tem num documento escrito ser acreano, também será castigado? Recomenda o bom senso ter-se cuidado e atenção com essas medidas repentinas. Tudo requer estudo, análise, pesquisa e, até mesmo, consulta popular. Já se mudou o fuso horário do Acre sem consulta à população, que hoje amarga o despertar no escuro para ir à escola, ao trabalho.


Considerando o caso epigrafado neste texto, passa-se a fazer um breve estudo de caso sobre o uso “certo” ou “errado” desse adjetivo acreano ou acriano.
I - ADJETIVOS PÁTRIOS
São os adjetivos que indicam a nacionalidade, a pátria, o lugar de origem dos seres em geral. Podem ser chamados de gentílicos, quando designam grupos étnicos ou raça. A maioria desses adjetivos forma-se pelo acréscimo de um sufixo ao substantivo que os origina. Os principais sufixos formadores de adjetivos pátrios são: -aco, -ano, -ão, -eiro, -ês, -ense, -eu, -ino, -ita. Vejam-se alguns deles:
Açores = açoriano; Campinas = campineiro, campinense; Goiânia= goianiense; Lisboa = lisboeta, lisbonense; Maceió = maceioense; África = africano; América = americano; Ásia = asiático; Europa = europeu.

II - ESTADOS DO BRASIL
Acre = acreano, acriano. Segundo o Formulário Ortográfico, a forma adequada é acriano, mas, sem dúvida, a forma preferida da população é acreano, considerando ser a forma usual do povo desde a criação do Território do Acre. Assim, o uso faz a força e não o contrário; Rondônia = rondoniano, rondoniense (duas formas); Sergipe = sergipano; Teresina = teresinense; Santa Catarina = catarinense, santa-catarinense, catarineta, catarinete, caterinete, catarino, barriga-verde (sete formas); Goiânia = goianiense. São uns poucos exemplos a ilustrar o uso que se faz desses adjetivos, em obediência ao processo de formação de palavras e, também, em respeito ao uso eleito pela população.

III – REGISTRO EM DICIONÁRIOS RESPEITÁVEIS DO IDIOMA PÁTRIO: AURÉLIO, HOUAISS e NASCENTES
3.1. Provável etimologia
Topônimo Acre (Brasil) + -iano é uma provável alteração de Aquiri, forma pela qual os exploradores da região grafavam a palavra Uwákürü (ou Uakiry), vocábulo do dialeto Ipurinã. Em 1878, o colonizador João Gabriel de Carvalho Melo escreveu ao comerciante paraense, Visconde de Santo Elias, pedindo-lhe mercadorias destinadas à "boca do rio Aquiri". Como em Belém o dono e os empregados do estabelecimento comercial não conseguissem entender a letra de João Gabriel ou porque este, apressadamente, tivesse grafado Acri ou Aqri, em vez de Aquiri, as mercadorias e faturas chegaram ao colonizador como destinadas ao Rio Acre - esta é a versão encampada pelo IBGE. Todavia, há outras hipóteses: der. de Yasi'ri, Ysi'ri 'água corrente, veloz' ou do tupi a'kir ü interpretado como'rio verde'; var. acreano; cf. Nascentes (vol. II).
3.2. Acreano, adjetivo e substantivo masculino relativo ao Estado do Acre ou o que é seu natural ou habitante; acreano. (Houaiss)
3.3. Acriano - [Do top. Acre + -iano.]
Adj.
1. Do, ou pertencente, ou relativo ao Estado do Acre.
S. m.
2. O natural ou habitante do Acre.
[É menos boa a grafia oficial, acreano.] (Aurélio). Mas não diz ser errada.
3.4. Acreano
Adj.
S. m.
1. V. acriano. Aqui, também, o estudioso considera as duas formas. (Aurélio)

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O filólogo Antônio Houaiss (foi meu professor e faleceu em 1989), autor do atual Acordo Ortográfico entre países de Língua Portuguesa, um dos homens mais cultos que este país já contou entre seus ilustres filhos, afirma que, desde 1911, vem impondo-se, na língua culta, a regra segundo a qual só se escreverá –eano quando a sílaba tônica do derivante for “e” tônico ou ditongo tônico com base em “e” ou, em que, mesmo átono, o “e” for seguido de vogal átona. Exemplos: arqueano (Arqueu), daumeano (Daomé), egeano (Egeu), galileano (Galileu), lineano (Lineu). Os demais serão sempre em –iano: acriano (Acre), ciceroniano (Cícero), freudiano (Freud), Camiliano (Camilo) etc. Em obediência a essa regra, teríamos de escrever acriano (com “i”).

De qualquer forma, quem elabora a evolução, quem faz a língua, contrariando, às vezes, a forma proposta pelos gramáticos e filólogos, é o falante. E este, no caso específico, ainda não decidiu nada sobre a mudança para acriano, mesmo porque existe uma forma consagrada pelo uso. Percebo que começam, agora, a avistar, pela primeira vez, o adjetivo gentílico “acriano”. Algumas pessoas até se assustam e pensam tratar-se de erro crasso, uma gralha condenável. Assim, embora os gramáticos e dicionaristas tradicionais como “Aurélio” e “Houaiss” tragam acriano como ‘a melhor forma’, eles não consideram errado grafar acreano. Ademais, não se pode perder de vista que o uso faz a forma. E desde que o Acre é Acre sempre se escreveu acreano. Esta é a forma consagrada pelo uso.

Tenho 61 anos e nunca vi outra grafia aqui em nossa terra. Seria o caso de indagar-se à população, por um plebiscito, se desejam ser “acreanos” ou “acrianos”. A depender de uma resposta positiva pela nova grafia, que ora figura em textos oficiais e em jornais locais, haveria um Projeto de Lei confirmando a nova forma. Esta seria comunicada aos poderes constituídos para adoção do uso nos documentos oficiais, livros, cartórios etc. Não se muda uma forma pelo gosto de uns poucos e sim pela opção da maioria das pessoas.

Desse modo, compreendo que somente o futuro dirá se a forma predominante será acriano (com “i”) ou acreano (com “e”). A própria autoridade competente poderá, futuramente, determinar qual a forma oficial a ser utilizada, após estudo e consulta popular. Também poderá deixar permanecer as duas formas: acreano e acriano. É estudo que pode ser solicitado à Academia Acreana de Letras. Consideram-se, ao final, as sábias palavras de Fernão de Oliveira (1536), nosso primeiro gramático, ao dizer: ‘os homens fazem a língua e não a língua os homens’.

A vida da gente é feita assim: um dia o elogio, no outro a crítica. A arte de analisar o trabalho de alguém é uma tarefa um pouco árdua porque mexe diretamente com o ego do receptor, seja ele leitor crítico ou não crítico. Por isso, espero que os visitantes deste blog LINGUAGEM E CULTURA tenham coerência para discordar ou não das observações que aqui sejam feitas, mas que não deixem de expressar, em hipótese alguma, seus pontos de vista, para que aproveitemos esse espaço, não como um ambiente de “alfinetadas” e “assopradas”, mas de simultâneas, inéditas e inesquecíveis trocas de experiências.