ACADEMIA ACREANA DE LETRAS
CHÁ DAS LETRAS – setembro 2015
Que ninguém
se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.[...] O que
verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.
Clarice Lispector
Por
Luísa Karlberg
1 – Clarice:
vida e obra
Premiada
escritora e jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira — e
declarava, quanto à sua brasilidade, ser pernambucana — autora de romances,
contos e ensaios e considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes
do século XX. Sua obra está repleta de cenas cotidianas simples e tramas
psicológicas, sendo considerada uma de suas principais características a
epifania de personagens comuns em momentos do cotidiano.
Nasceu em uma
família judaica da Rússia que perdeu sua renda com a Guerra Civil Russa e se
viu obrigada a emigrar do país em decorrência da perseguição a judeus que
estava sendo pregada então, resultando em diversos extermínios em massa. Chegou
ao Brasil por volta dos dois anos de idade na cidade de Maceió, onde passou um
breve período até a família mudar-se para o Recife, cidade onde cresceu e em
que perdeu a mãe, e depois para o Rio de Janeiro, onde sua família
estabilizou-se e seu pai morreu.
Estudou
direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, então conhecida como
Universidade do Brasil, apesar de na época ter demonstrado mais interesse ao
meio literário, no qual ingressou precocemente como tradutora e logo se
consagrou como escritora, jornalista, contista e ensaísta, tornando-se uma das
figuras mais influentes da literatura brasileira e do modernismo e sendo
considerada uma das principais influências da nova geração de escritores
brasileiros. É comparada pela crítica especializada com os principais autores
do modernismo do século XX.
Conhecida
desde a juventude por escrever e publicar seus textos, suas principais obras
marcam cada período de sua carreira: Perto
do coração selvagem, seu livro de estreia; Laços de família; A paixão
segundo G.H.; A hora da estrela e
Um sopro de vida, seus últimos livros
publicados. Morreu em 1977.
2 - Para tudo
e para todos
Influenciada
por autores como Franz Kafka, James Joyce e Virginia Woolf, Clarice deixa
transbordar seu intimismo visceral.
Para Joel,
esse é um dos motivos que continua atraindo tantos leitores para seus livros.
“A obra dela é aberta e multifacetada, permite plurais interpretações. O leitor
que terá o papel de ouvir essa voz e socorrer-se. Ele que escolherá a jornada”,
diz o autor sobre a temática que não se apaga com o passar do tempo.
Um grito sem
resposta, uma escrita que se costura para dentro a fim de indagar as questões
da condição humana, como o amor, o nascimento, a morte, o desejo.
Para Clarice,
esse era o motivo de escrever. “São temas interessantes até hoje, mas o modo
como ela trabalha esses temas nos contos e nos romances é que faz dela uma
autora especial. Ela se incomoda com o gesto mais sutil e delicado do ser, o
mínimo atrito, ela fotografa a ambiguidade ou ambivalência dos sentimentos como
se precisássemos redimensionar nosso modo de ser.”
Para
desvendar o que está “atrás de detrás do pensamento” – como disse a própria
Clarice – foram escritos nove romances por ela, compilados em uma coletânea
lançada recentemente pela Editora Rocco.
Organizada
pelo jornalista, escritor e crítico literário José Castello, Clarice na
Cabeceira – Romances faz uma síntese da obra em questão e do momento vivido por
ela ao escrevê-la. A coletânea é continuação de Clarice na Cabeceira – Contos e
Clarice na Cabeceira – Crônicas, em que diferentes personalidades apresentam os
textos favoritos da autora.
Em meio à sua
prosa poética, Clarice emerge como uma “ficcionista-poeta”, tal como Guimarães
Rosa. São nossos dois grandes ficcionistas da modernidade. São ficcionistas-poetas.
Por esse motivo, eles têm vida longa nas estantes das livrarias.
3 - Do Brasil
para o mundo
De caráter
único e universal, a escrita da autora ultrapassou os territórios brasileiros.
Afinal, já dizia Guimarães Rosa que se lê Clarice para a vida, para viver. “Os
textos de Clarice são importantes porque são vitais, têm a força das ondas do
mar, das árvores, do fluxo das águas. Aliás, foi essa força vital que
impressionou muitos críticos lá fora e faz dela uma autora de estilo único”,
diz Joel ao revelar que ainda fica impressionado com seus textos, que possuem
dimensão filosófica que atrai psicanalistas, críticos, filósofos e leitores
comuns.
Dos
estrangeiros apaixonados pela obra de Clarice, Benjamin Moser aparece como um
amante incondicional. O norte-americano nascido em Houston encantou-se por sua
escrita já na primeira página de A Hora
da Estrela, durante um curso de literatura brasileira da Brown University.
Crítico e tradutor, ele aprendeu português e mergulhou na cultura brasileira do
século 20 para tentar desvendar a obra enigmática da autora.
Até cortar os
próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que
sustenta nosso edifício inteiro.
(...) uma das
coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer.
Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o
próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma
angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi o apesar de
que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E
desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o
corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal
que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
Clarice Lispector